Resenha: Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios por Marçal Aquino.

No momento em que narra os fatos de 'Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios', o fotógrafo Cauby está convalescendo de um trauma numa pensão barata, numa cidade do Pará que algum tempo antes fora palco de uma corrida do ouro. Sua voz se propõe a ser impregnada da experiência de quem aprendeu as regras de sobrevivência no submundo - mas não é do ambiente hostil ao seu redor que ele está falando. O motivo de sua descida ao inferno é Lavínia, a misteriosa e sedutora mulher de Ernani, um pastor evangélico. A trajetória do fotógrafo vai sendo explicada por meio de pistas - a história de Chang, morto num escândalo de pedofilia; o mistério de Viktor Laurence, jornalista local que prepara uma vingança silenciosa; a vida de Ernani, que no passado tirou Lavínia das ruas e das drogas. Mesmo diante dos riscos, Cauby decide cumprir seu destino com o fatalismo dos personagens trágicos.

A primeira coisa que pensei quando descobri a existência desse livro foi: "eu queria ter escrito um livro com esse título" - também olha esse título, já vale a compra do livro. Foi uma daquelas ocasiões em que me amaldiçoei por não ter pensado nisso antes.

Outra coisa que me chamou atenção, foi o autor. Marçal Aquino. Adorava os livros que ele publicava, pela série vaga-lume, quando era criança. Gostava muito de O mistério da cidade-fantasma e A turma da Rua Quinze. Já sabia que ele era um bom escritor, mas fiquei chocada com Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios. Ele escreve de modo poético nesse livro. Jamais meu passou pela cabeça, quando começava a ler, que teria tanto trabalho para conseguir falar desse livro de pouco mais de 200 páginas.

Cauby chegou a essa pequena cidade do Pará. Ele é um fotografo, apaixonado pelo que faz. Tem cada fase da sua vida, imortalizada nas fotografias que tirou ao longo do mundo. Vê uma foto de Lavínia na loja de fotografia do seu amigo, Chang - um chinês pedófilo -, e tem certeza que é o rosto mais bonito que já viu. Enquanto admira a foto da bela mulher, ela entra na loja. Assim que ele a vê, se apaixona imediatamente.

Lavínia é uma mulher complicada - e uma personagem interessantíssima. Casada com o pastor Ermani - que é extremamente respeitado na cidade. É uma mulher de dupla personalidade. As vezes é dócil, um pouco tímida e recatada. Mas também pode ser sedutora, nada recatada e destemida - esse lado de Lavínia é chamado de Shirley por Cauby. Teve uma infância difícil, e foi salva por seu marido. É uma personagem complicada - alias, todos os personagens desse livro são complicados.

Cauby é alguém que não deveria estar naquele lugar. Parece que o destino desejou que ele estivesse. É um personagem que eu gostei muito. Sua paixão por Lavínia, seu destemor em enfrentar as coisas por ela é.... apaixonante.

A paixão de Cauby e Lavínia é intensa, perigosa e insaciável. Ao ler, você torce para que os dois nunca sejam descobertos, para que sejam amantes eternos. Apesar de no fundo, você saber que há uma probabilidade pequena disso acontecer.

O livro é dividido em três partes: "O amor é sexualmente transmissível", " Carne viva" e " Postais de Sodoma à luz do primeiro fogo". Duas partes são narradas por Cauby, a primeira e a terceira, intercalando entre passado e presente. No presente, Cauby está na pensão de Dona Jane, junto com um menino, ouvindo o Careca contar sua história de amor - que também é um bonita história. Vamos acompanhando os pensamentos de Cauby e assim voltamos ao passado, para conhecer a sua história com Lavínia.

Na segunda parte, "Carne viva", conhecemos a história do passado de Lavínia. O período antes dela se casar com o pastor Ermani, como eles se conheceram. Lavínia não teve um passado fácil.

Marçal Aquino criou um romance com uma narrativa tão linda, poética e natural. Como o livro flui! Gostei do lugar onde a história foi ambientada. Sempre com as brigas entre garimpeiros e mineradores. Ele consegue fazer com que você visualize os lugares, o jeito como tudo parece estar sempre empoeirado - como o próprio Cauby diz, algumas vezes.

O livro não possui nenhum travessão sequer. De início, estranhei. Depois de umas duas páginas, nem sentia mais falta. O autor escreve muito bem, se tornou um detalhe insignificante.

Outra coisa que gostei muito, foi um filósofo que o autor criou, que Cauby cita o livro todo, para falar sobre o amor. Muito criativo e muito bom.

O livro todo me surpreendeu, mas o final teve seu destaque nesse quesito. Fiquei surpresa com o rumo que a história tomou e com as atitudes de Cauby. Foi um final tocante, belo.

Se hoje eu tivesse que indicar um livro, ou um romance, ou um bom livro nacional, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios seria o escolhido para todas as categorias. Então leia!

Agora vou assistir ao filme, morrendo de medo que eles tenham estragado esse belíssimo livro.

Onde comprar o livro? Extra/ Saraiva/ Cultura.

Quotes!

" O segredo, dizia Chang, o china da loja, não é descobrir o que as pessoas escondem, e sim entender o que elas mostram. Mas Chang está morto. Existe algo mais íntimo para exibir ao mundo do que as entranhas? Existe algo tão obsceno?" pág.13

" Queremos o que não podemos ter, diz o professor Schianberg, o mais obscuro dos filósofos do amor. É normal, é saudável. O que mais diferencia uma pessoa de outra, ele acrescenta, é o quanto cada um quer o que não pode ter. Nossa ração de pogeira das estrelas." pág.16

" Em seu livro, o professor Schianberg escreveu: " A grande desgraça é que as lembranças não bastam para confortar os amantes. Nunca aplacam. Ao contrário: servem só para espicaçar as chagas daqueles que foram condenados à lepra do amor não correspondido." pág.33

" O que vemos no mundo fala das moléstias amorosas, do amor que vira peste. De acordo com Schianberg, é difícil identificar o instante em que isso acontece. Comigo e com Lavínia foi fácil: já começou doente." pág.47

" A esperança é o pior dos venenos, se Cauby. O senhor não concorda?" pág.146

" O que acontece é que, quando estou com você, eu me perdôo por todas as lutas que a vida venceu por pontos, e me esqueço completamente que gente como eu, no fim, acaba saindo mais cedo de bares, de brigas e de amores para não pagar a conta. Isso eu poderia ter dito a ela. Mas não diise." pág.154

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